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Caderno D

Olhar terno para os humanos da grande cidade marca mostra de Alice Brill

25 setembro 2015 - 08h00

Ao desembarcar no Brasil, em 1934, um ano após a ascensão de Hitler ao poder, a alemã Alice Brill Czapski, então com 20 anos, trazia na bagagem uma câmera Agfa, presente do pai, o pintor Erich Brill. Alice não iria conviver muitos anos com ele, que morreu no campo de concentração de Jungfernhof, na Letônia, em 1942. No entanto, herdou do pai a vocação para as artes. Tornou-se uma pintora reconhecida, embora sua atividade como fotógrafa seja lembrada com mais frequência. E é como fotógrafa que o Instituto Moreira Salles (IMS) dedica a ela a exposição Alice Brill: Impressões ao Rés do Chão, que foi aberta ontem, na sede paulistana da instituição. O instituto guarda o acervo da fotógrafa desde o ano 2000. São 14 mil negativos, dos quais a curadora da mostra, Giovanna Bragaglia, selecionou 90 imagens que resumem não só sua relação com diversas capitais brasileiras, mas, principalmente, com sua gente. De ascendência judia, Alice Brill lutou pela sobrevivência no exílio, identificando na experiência do outro o próprio deslocamento, o que fica evidente nas fotos em que a figura humana é o centro de suas atenções - os anônimos das grandes cidades, quase sempre despossuídos. A exposição reúne imagens feitas entre os anos 1950 e 1960, período de intensa atividade da fotógrafa em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. As de São Paulo, até porque foi a cidade escolhida por sua mãe Marte, contam uma história de transformação urbana e social, acompanhando a evolução econômica de uma metrópole que, nos anos 1950, empurrava os menos favorecidos para a periferia, o que justifica o título da exposição. "São, de fato, impressões ao rés do chão", observa a curadora Giovanna. "Ela parte de uma visão geral da cidade para chegar no particular, entrando em cortiços e fazendo uma espécie de crônica urbana", conclui. De fato, as imagens de São Paulo mostram como a construção da modernidade paulistana cobrou um preço alto de seus habitantes. Entre as fotos há imagens raras de uma feira popular em plena Rua Oscar Freire, hoje, o metro quadrado mais caro dos Jardins. Mesmo quando ela se desloca para outras capitais, seu olhar é atraído para a população sem recursos ou culturalmente segregada É o caso dos índios carajás fotografados ao lado de Café Filho, na Ilha do Bananal, em 1948, ou dos favelados cariocas protestando nas ruas do Rio contra a derrubada de barracos e espancamento de seus moradores pela polícia, em 1965, um ano depois da tomada do poder pelos militares. Crianças Talvez por desencanto, a atividade fotográfica de Alice Brill diminuiu dessa época em diante. Ela resolveu se dedicar mais à pintura, que estudou em Albuquerque, Novo México, e em Nova York, ao ganhar uma bolsa de estudos em 1946. Por essa época, já frequentava o grupo Santa Helena, do qual faziam parte Volpi, Bonadei e Mário Zanini, sobre o qual Alice Brill, mais tarde, escreveria um livro (Mário Zanini e Seu Tempo, Editora Perspectiva, 1984). A exposição do IMS destaca a íntima relação da fotógrafa com esse universo, ao instalar em vitrines registros de sua cobertura da 2ª Bienal de São Paulo, em 1953, que recebeu obras de Mondrian, Calder, Picasso e Ensor, entre outros. Numa das salas, imagens pioneiras da arte produzida por doentes mentais revelam sua afinidade com a arte brut, que a levou, a convite da pintora Maria Leontina, a registrar o cotidiano dos internos do hospital psiquiátrico Juqueri. Seu interesse pela arquitetura moderna também chamou a atenção do casal Pietro Maria Bardi e Lina Bardi. A convite do diretor do Masp, fotografou as obras que mudavam a face urbana de São Paulo nas comemorações do IV Centenário, em 1954. A arquiteta Lina, por sua vez, convidou-a a ilustrar as páginas da revista de arquitetura Habitat, imagens que posteriomente seriam revisitadas em muitas de suas pinturas dos anos 1960, em que retrata a solidão dos habitantes da metrópole confinados em seus apartamentos. A linguagem figurativa foi depois trocada pela abstração, ligada a uma investigação cromática e tonal que não descarta relações com a paisagem urbana.

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