Passei a semana matutando sobre a abertura do comércio e o ensaio para o reestabelecimento das aulas, ou seja, sobre o fim da quarentena, do isolamento social, medida eficaz contra o contágio do COVID-19.
Não querendo acreditar que o fim do isolamento social ainda no pico dos contágios fosse verdade, lembrei-me de uma história. Então recorri ao anedotário da política brasileira, registrado por escritores como Barão de Itararé, Dias Gomes, José Cândido de Carvalho e Stanislaw Ponte Preta. Nada de encontrá-la. Fui garimpar no acervo digital d´O Estado de São Paulo e encontrei a história registrada na edição de 09/06/1971. A história se passa em Palmeira dos Índios (Alagoas), coincidentemente, município em que Graciliano Ramos fora prefeito.
O prefeito da ocasião, Minervo Pimentel, do MDB, foi "informado pelo engenheiro da Municipalidade que a lei da gravidade impedia construção de uma caixa de água na praça central" por causa de um forte declive. Inconformado, o prefeito chamou seu líder na Câmara recomendando-lhe que conseguisse maioria "para derrubar a lei da gravidade", porque precisava construir a caixa de água na praça.
Então disse o líder: "senhor prefeito, não se sabe se a lei é municipal ou estadual. E, depois, pode ser federal. É melhor não mexer no assunto para não criar problemas. O negócio é não desobedecer ao engenheiro, que é autoridade no assunto".
Nos dias de hoje, no contexto da crise sanitária mundial e especialmente a sua incidência no Brasil, o engenheiro cede lugar para a comunidade científica internacional e para os profissionais da saúde pesquisadores do assunto que, na falta de vacina, recomendam a higiene pessoal (como lavar as mãos com muita frequência), o uso de máscaras e fundamentalmente o isolamento social.
No entanto, as autoridades políticas, presunçosas, recomendam a abertura do comércio. Buscam construir um discurso falacioso de que o fim do isolamento social é o único caminho contra a bancarrota, as falências, o desemprego. Mentira!
E o povo, empregados, funcionários, microempresários, sem água outrora, sem emprego e renda agora, desesperados, chegavam a acreditar na revogação da Lei da Gravidade e chegam a aceitar que é possível desautorizar a ação do vírus.
A autorização para reabertura do comércio não vai reduzir a ação do vírus assim como uma eventual revogação da lei da gravidade não vai fazer a água verter de baixo para cima.
Pior! Cinicamente, as autoridades políticas jogam para o povo, já remediado e acuado a responsabilidade pela mortandade.
E assim, poderosos e endinheirados orquestram uma marcha de morte. E o povo, desesperado e sem liderança, acompanha, mesmo contra a vontade.
Em sequência lógica, eis a ação dos poderosos e endinheirados: criam o discurso do caminho único; contrariam as autoridades sanitárias; autorizam a abertura comercial; lavam as mãos quanto aos mortos e às dores.