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Jornal Diário de Suzano - 24/04/2024
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Coluna

A ‘difícil’ representatividade feminina

18 agosto 2022 - 05h00

Apesar de serem maioria do eleitorado, as mulheres tiveram baixa representatividade de candidaturas registradas nas eleições deste ano, representando apenas 1/3 do contingente. O percentual de 33% é o mesmo de quatro anos atrás, mas a maquiagem fica por conta do recorde de candidaturas majoritárias, principalmente nos cargos de vice. Essa realidade contrasta e deslegitima as campanhas de incentivo à participação feminina na política, expondo às vísceras da complexidade do desafio que temos pela frente em transformar as estruturas de decisões para incorporar a diversidade de gênero e étnico-racial. 
Atrevo-me a contradizer o pensamento pós-moderno e afirmo que a questão central não é a falta de interesse das mulheres pela política, mas na supremacia machista estrutural que oprime violentamente as mulheres que pensam por si, hostilizando e vulgarizando os ambientes de protagonismo, o que acaba inibindo, silenciando e desencorajando essa participação. A ideologia patriarcal impôs o afastamento da mulher da vida pública e da política como se sua única possibilidade fosse criar filhos e cuidar da família. Isso abriu caminhos para a construção de um lugar de fala hegemônico, que deslegitima e desautoriza a pluralidade de vozes permitindo que entrem em cena àquelas que legitimam o poder da supremacia patriarcal.
Isso explica porque as representantes da direita são maioria no Congresso Nacional. Talvez por advirem de um espaço de privilégios, os perfis geralmente abarcam nomes que não foram socializados ao processo de reflexão crítica sobre as pautas de gênero, reproduzindo um modelo de sociedade oligárquica, hierarquizada e verticalizada, que acentua desigualdades e assimetrias entre os seres humanos numa ótica de dominação, exploração e morte. Não à toa tem sido comum crescer nomes de mulheres que defendem óticas que vão contra as pautas emancipacionistas, a ponto de alimentar o poder que dizem condenar. 
Estudos apontam que com 30% de representatividade é possível influenciar na agenda de direitos. Isso reforça a necessidade de promover uma inserção qualificada das mulheres nas estruturas partidárias, onde ao contrário, a presença feminina chega a ultrapassar a masculina, embora subutilizada nesses espaços. Mas esse processo ultrapassa a ideia de eleger mulheres. Primeiramente, é preciso permitir que as mulheres certas entrem em cena nos espaços de protagonismo para que a sociedade num todo se acostume com a presença feminina em cargos de poder político. 
Em seu livro de memórias, Cristina Kirchner descreve a dor de, apesar de ter sido a primeira mulher eleita presidenta da Argentina, não ouvir nenhuma voz feminista para condenar os ataques machistas que sofreu, quando chamada de "louca", "histérica" e "bipolar" principalmente pelo setor ruralista, que não admitia estar diante de uma mulher bonita e que sabia se impor, o que lhe rendeu o apelido de "égua".
Quando a beleza da luta das mulheres certas entrarem em cena nos espaços de protagonismo, não haverá motivos para tanta dor, desprezo as nossas origens e vergonha de nossa representatividade. 
Infelizmente, os espaços de protagonismo ainda alimentam figuras que reproduzem o status masculino de interesses. O discurso "vamos eleger mulheres" transcende uma pauta de esquerda ou feminista e ultrapassa a bandeira partidária. É preciso articular essas vozes nas universidades, nos movimentos sociais e nas ruas para garantir uma representatividade que dialogue com nossas demandas e não cair no discurso fácil de mulheres que são oportunamente "fabricadas", manipuláveis e utilizáveis pela supremacia patriarcal para desestabilizar governos e/ou grupos políticos.