Caminho pelo centro da cidade, parecendo abstrata, pois, o olhar está sempre dirigido para o chão das calçadas que estão cheias de buracos e desniveladas podendo a qualquer momento causar um tombo naqueles que ali são obrigados caminhar.
Entretanto, apesar da atenção voltada para baixo, estou atenta aos movimentos e até mesmo as conversas que rodeiam meu caminhar.
Impedida de caminhar rapidamente posso prestar atenção e até acompanhar alguns diálogos, sem que percebam...
E é assim que ouço um casal conversando... Ele aparenta brincar com ela sobre o nascimento da criança que ela carrega, pois, do meu ângulo de visão percebo que está grávida, levanto a cabeça e me deparo com um rapaz que brinca sem maldade com a jovem, que rapidamente percebo sofrer de deficiência grave e que parece completamente ausente a tudo que ele fala.
Seu sorriso que escancara uma boca com restos de dentes estragados é enigmático, parece sorrir de alguma coisa que vê além daquilo tudo que ali percebemos, tem até um quê meio angelical, apesar do aspecto judiado.
Olho bem para ela e continuo meu caminhar, pois, como a maioria das pessoas tenho compromissos me aguardando com horário determinado e não posso me atrasar...
Apesar de continuar meu caminho, a indignação que senti, aumenta e acelera meus passos, como se isso pudesse tornar mais palatável aquela situação.
A conversa não tinha nenhuma maldade, e nada tenho contra o rapaz que enquanto aguardava pacientemente a entrada de algum cliente na loja, estava ali a dialogar sem nenhum preconceito com a jovem, talvez até para simplesmente ver o tempo passar mais rápido.
Minha indignação é com o ser que não consigo imaginar como humano, que se serviu daquela jovem deficiente, que não tem nenhuma noção da realidade de seu estado, de que carrega em sua barriga um filho, que talvez sequer saiba seu nome completo ou até mesmo a data de seu nascimento ou quem sejam seus pais...
Como pode um homem não ter um mínimo de consciência e fazer uso, sim, uso porque foi isso que fez se utilizou da jovem para saciar seu desejo como animal irracional e no cio, sem se preocupar com as consequências de seu ato vil.
Ela pode não saber o que significa seu estado de gestação, ela pode nem saber quem é pai da criança que está gerando, mas ele certamente sabe e tem consciência do que fez, apesar da sua irresponsabilidade.
Certamente não faz nenhum acompanhamento médico, vive mendigando pelas ruas e avenidas, suja e mal vestida, quando seu momento chegar, sabe-se lá se terá atendimento em algum hospital ou irá parir sozinha e sem acompanhamento poderá descartar a criança como já temos ouvido muitos casos ou se num lapso de entendimento a acolherá nos braços.
Minha indignação e por me sentir impotente, não poder fazer nada e imaginar que quem agiu com ela sem nenhum escrúpulo, pode estar observando e se divertindo, sem se preocupar com as consequências de seu ato e com o filho que está sendo gerado naquele ventre.