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Jornal Diário de Suzano - 16/04/2024
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Coluna

O jogo das pipas

04 agosto 2017 - 06h00
Quase sempre constrangidos, assistimos às competições de pipas que acontecem durante o período das férias, entre crianças, adolescentes e jovens do sexo masculino. As meninas ainda não se arriscam a fazer tais competições.
Com o futebol e o Carnaval, capoeira e samba, música sertaneja e caipira, as pipas completam o quadro da beleza do folclore brasileiro. Os instantes em que as pipas sobem para o alto, são lindos. Porém, os concorrentes, viciados neste jogo competitivo, em eliminar as pipas dos adversários, quase obcecados, colocam cerol no fio que as levam ao céu e na extremidade colocam muitas vezes, pedacinhos de vidro para prender a outra pipa, amarrá-la e puxá-la para baixo com a satisfação de tê-la derrotada.
As pipas bailam, dançam, movidas pelo vento e se deslumbram no céu com aquela rara beleza. A competição é sempre entre duas pipas agitadas por dois concorrentes que entram em campo usando ruas, praças, terraços, telhados, terrenos baldios, para lançar suas armas. A destreza dos que manobram as pipas, levará o melhor concorrente a vencer a competição.
Todo esse patriotismo em ser melhores no futebol, no samba, na capoeira e nos jogos das pipas, vem ruindo ao olharmos espantados a realidade brasileira. As favelas crescem e tornam-se mais violentas, incubadoras da criminalidade. Aumenta a violência urbana. Como se isso não bastasse, também o jogo das pipas mata pedestres, bicicletistas, motoqueiros, fere e deixa cortes nos motoristas que dirigem com o braço fora da janela do carro. O perigo está no cerol, que é uma graxa, massa de cera, pez e sebo, empregado para tornar mais resistentes as linhas, usadas também para coser sola ou para conservar o coro e dar-lhe mais brilho. Quando a pipa se aproxima do pedestre ou dos motoqueiros e eles não percebem a presença da linha, esta pode ferir e cortar-lhes a garganta. Por isso se aconselha sobretudo a quem viaja de moto de usar uma antena que fique mais alta da cabeça. Este jogo que é o cartão postal de muitas ruas e praças cheira mal e não é inócuo.
Contudo, nesse cenário triste, o desafio é fazer uma competição bonita. Os rapazes se encantam com as pipas bailando e dançando no ar. Procuram apaixonar-se por expressões como esta " eu vou ganhar" ou "eu fui o melhor" que disfarçam a triste realidade na qual vivem.
Seus rostos embora magros revelam obstinação. Pecado que acreditam apenas nas conquistas que não lhes darão um futuro diferente.De fato existem ainda crianças, famílias que se deparam com os monturos de lixo, que vivem nos cortiços que se equilibram sobre córregos fétidos. Crianças que após ter ouvido o bê-á-bá da professora, correm para jogar futebol em campos improvisados ou cativados pela inefável competição de pipas e dominados pelo sublime jogo. Talvez essa seja a última esperança de lazer e da civilização: deixar que as ilusões encharquem e inundem a alma. Sei que é celebrar a vida quando duas crianças jogam com as pipas ou dois times fazem uma partida de futebol e no fim se abraçam. Por isso, não podemos perder a capacidade de celebrar alguns mínimos sinais de vida e de beleza, mesmo diante de uma realidade tão crua. Quase todos os dias vejo soltar pipas no ar e procuro descobrir o aceno divino que habita nas pessoas e na destreza com a qual eles procuram vencer as pequenas batalhas da vida. Porém, para vencer as frustrações, os desacertos, as mágoas, as dores do passado e do presente é necessário abastecer-se com a verdadeira seiva de vida, com o carinho, a confiança, a ternura e com o bem-estar, a saúde e a educação.