Ah! Isso vem de um tempo antigo, quando ainda era criança e iniciava as primeiras letras...
Via sempre meu pai debruçado sobre cadernos e, neles escrevia algum tempo que eu não precisava quanto, mas era sempre longo. Depois ele relia tudo aquilo, riscando com caneta vermelha, escrevendo novamente e nesses momentos evitava falar com ele, mantinha-se às vezes com aparência distante ou talvez distraída.
Aqueles escritos eram depois datilografados por minha mãe com muita atenção ou por ele mesmo, com dedos ágeis.
Algumas vezes aqueles escritos eram transformados em música que ele cantava acompanhado de uma sanfona de oito baixos... Algumas letras eram alegres outras melancólicas e que traziam a nostalgia da saudade que sentia de sua infância e de seus pais.
Quando fui para a escola, já sabia escrever algumas palavras, conhecia o alfabeto e os números, ensinados em casa por minha mãe, que tinha muita paciência, pois, como toda criança gostava muito mais de curtir minhas brincadeiras com a criançada da vizinhança do que ficar ali escrevendo ou desenhando letras que não me divertiam em nada.
Meu pai logo que desenvolvi o entendimento da escrita e a noção da sequência de palavras, me entregou com gesto solene um caderno tipo brochura com uma capa preta e uma caneta daquelas que tínhamos que colocar a pena e molhar no tinteiro e usar com cuidado para não borrar as folhas... Aquele presente não fazia parte do material escolar por esse motivo fiquei olhando para ele sem entender...
Com carinho me pegou pela mão e saímos para conversar, então ele me explicou que naquelas folhas era para eu escrever o que me acontecia de importante a cada dia, era para eu iniciar um diário...
Um dia, disse ele, poderá ler e relembrar coisas importantes de sua vida quando a memória talvez venha a falhar...
Foi assim que comecei a escrever, todos os dias após o jantar me apossava daquele caderno e meio desajeitada escrevia o que achava de importante no meu dia, datava e às vezes quando estava feliz desenhava caretinhas alegres e coraçõezinhos.
Às vezes surpreendia meu pai lendo meus escritos e percebia um leve sorriso em seu semblante, ficava imaginando o que havia lido e o que estava pensando.
Por saber que lia meus escritos fui procurando aperfeiçoar e caprichar na letra, pois, ele sempre dizia que devíamos ter uma boa caligrafia.
Havia dias que achava tudo monótono e sem graça, nada acontecera de diferente em minha vidinha infantil... O diário esperava por mim, então nesses dias descrevia fatos que não se relacionavam diretamente comigo, mas que havia me chamado atenção no caminho da escola ou na vizinhança.
Com o tempo escrever deixou de ser uma obrigação e passou a ser um prazer, quando vi já escrevia um pouco de tudo, além de ler muito, tudo era novidade e isso além de incorporar meus assuntos diários foi ampliando meu horizonte, pois, pegava um livro e sentada na calçada que beirava a casa lia e viajava na história imaginando ser algum personagem.
Foi assim que começou, por isso escrevo...