Tempos atrás num momento difícil de nossas vidas, por conta do falecimento de uma tia muito querida, vi minha mãe que estava sempre calma e preparada para nos amparar, desabar em lágrimas desconsoladas...
Naquela hora eu não tinha o que falar, não tinha nenhuma palavra de consolo e de amparo, afinal eu também estava dolorida com a perda de uma pessoa tão querida e de boas lembranças.
Passado alguns momentos de choro convulsivo, minha mãe se acalmou e ficou silente durante muito tempo, observando com ternura aquele corpo que um dia fora alegre e cheio de vida e que sempre tinha uma palavra carinhosa e um sorriso meigo quando nos recebia em sua casa, que sempre cheirava bolo de laranja fresquinho.
Após o sepultamento, a caminho de casa, minha mãe, repentinamente pediu desculpas por não ter contido o choro e explicou que fora tomada por lembranças que agora somente ela lembraria, afinal havia perdido sua última referência.
Naquele momento não consegui alcançar a profundidade de suas palavras e de sua amargura na maneira de falar.
Algumas outras vezes conversamos a respeito e aos poucos fui entendendo como essa referência faz falta quando percebemos que nossa história só pode ser relembrada e contada por nós mesmo, sem poder compartilhar de detalhes e de fatos que só algumas pessoas que conosco conviveram poderiam saber e partilhar.
Hoje minha mãe também já não mais está aqui e por vezes lembro-me de alguma situação que vivenciamos e que me faltam alguns detalhes, de relance penso: "vou perguntar para minha mãe" e de imediato lembro que ela já se foi e não poderá me ajudar e também não tenho mais para quem perguntar ou com quem falar a respeito daquele fato que ficou lá no meu passado e que agora só faz parte de minhas lembranças e que se perderá com o passar do tempo.
Para poder avivar minha história de vida, gosto de conversar com as pessoas da família que fizeram parte de minha infância e que me contam coisas que não lembro por conta da tenra idade e por não ter participado e ouço com atenção e carinho, pois, são as tais referências que falava minha mãe.
Observo que atualmente nossos jovens são mais desligados e vivem suas vidas em seus mundinhos, excluindo a conversa com a família, ligados em seus celulares e nos papos virtuais e imagino como será num futuro próximo, quando não mais conviverem com seus pais ou com aqueles que conhecem suas histórias, o que poderão contar para seus filhos, que laços familiares terão com seus passados.
A história individual de cada família não é escrita, é falada, vivenciada, com alegrias e tristezas como é normal em nossas vidas, contadas algumas vezes pelas fotos tiradas em momentos de reunião e festa.
Entretanto, quando a comunicação fica escassa, quando o diálogo deixa de existir e cada um passa a viver em sua individualidade, certamente perdem-se as referências e com o passar dos anos as lembranças de bons momentos não poderão ser partilhadas e nem terão como questionar suas próprias histórias, pois, não as viveram em comum com os seus entes familiares...