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Jornal Diário de Suzano - 16/04/2024
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Coluna

Autofagia

22 maio 2021 - 05h00

Estava eu lá pensando esses dias no tanto que fazemos contra o mundo. Aí me caiu às mãos um texto que escrevi faz uns dez anos sobre “autofagia”, de como somos auto-destrutivos. O mal que estamos passando agora é só mais um. Como explicar porquê fazemos tanto mal contra o espaço que temos para viver, contra a gente ao nosso lado, nossos contemporâneos, e contra as gerações futuras. 
Anos atrás, numa sala de aula com crianças, falando sobre a importância de preservarmos o mundo, uma menina aí dos seus sete anos, me perguntou por que fazemos tanto mal para o mundo? Voltei a pergunta para a classe. “Isso é uma malvadeza!” logo respondeu um coleguinha. Ainda ingênuo, perguntei se o ser humano, era malvado. Parecia um coro, a classe foi logo me informando que de fato havia homens maus. Um professor sempre pode aprender mais.
Mas insisti, será que todos nós temos um pouquinho de malvadeza dentro da gente? Eles pensaram e, com uma segurança que me surpreendeu, disseram de várias maneiras, que todos guardamos um tanto de malvadeza dentro da gente. Peço que me expliquem. Um logo disse, “eu não sou mau, mas as vezes tenho de bater na minha irmãzinha, quando ela me incomoda”. E você se arrepende depois? Perguntei bem curioso. 
“É, fico chateado comigo depois”. Outros confirmaram as “suas malvadezes”. Pois parece que a gente continua assim, mesmo depois de adulto, pensei lá comigo.
Ainda continuei, e perguntei se eles destruíam as suas casas, o lugar onde moravam. A gente sempre quebra alguma coisa, disseram. Insisti, mas vocês fazem de propósito? Um deles me deu uma bela resposta: “é mesmo, a gente faz sem pensar, depois é que a gente descobre que quebrou o brinquedo, que vai ficar sem ele”.
É mesmo, o ser humano quebra o próprio brinquedo, derruba a própria casa, destrói a própria vida, porque não pensa antes. 
Que coisa, quanto se aprende com as crianças!
Não vamos falar de “antigamente”, de filosofia, filosofar em como exercitávamos o ato de pensar, não se faz mais isso de exercitar o pensamento. No entanto, o pensamento só será nosso se aprendemos (se apreendemos), ninguém tira mais.
Lembro ainda de ter perguntado para as crianças o que podíamos fazer para impedir a destruição do mundo. Quase que houve um consenso: “prender todos que façam malvadeza com o mundo”. Por que? insisti. Porque se o mundo está destruído não tem mais conserto, de algum modo sintetizo suas respostas. Mas, voltei à carga, se cada ser humano tem um pouco de malvadeza, não haveria cadeia para todos. E quem ficaria de fora? As respostas foram chegando. 
“Então vamos dar uns castigos neles!” Criança é mais rígida.
Perguntei, ainda de modo inocente, será que se a gente ensinasse eles aprenderiam? Surpresa com o novo consenso: “Eles já são grandes, não iam aprender mais”. Que paulada, gente!
Alguns podem mudar, é verdade, mas como mudar o coletivo? Por que essa autofagia, essa necessidade de destruir o que temos? 
Tenho minhas esperanças, mas também luto por elas.