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Jornal Diário de Suzano - 16/04/2024
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Coluna

Peço Silêncio

17 setembro 2022 - 05h00

Estava lá eu pensando no que escrever nesta minha crônica quando olhei para o quadro na parede do meu estúdio. Uns versos de Pablo Neruda escritos e envoltos em desenhos feitos por Neruda. Peguei-os na casa dele, em Isla Negra, lá no litoral do Chile. Os versos dizem: “yo cambio la primavera por que tú me sigas mirando”. Em tradução livre nos diz: “eu mudo a primavera por que me segues olhando”. Esse desenho, que transformei em quadro, tomei daquela Casa de Neruda que ele mantinha desde 1939. A Primavera nos vem aí.
Minha admiração por Neruda é coisa de muitos anos. Tenho vários livros dele. Essa minha admiração vai além do respeito a seus versos. Ele era, além de um magistral Poeta, um pensador e também um político. Veja um pouco de sua biografia, a internet oferece vários modelos.
O poeta Pablo Neruda nasceu em 1904 em Parral, no Sul do Chile. E veio a falecer em 1973, no início da Ditadura de Pinochet. Foi um escritor, de muitos temas, além de Poeta, tendo sido também diplomata e senador. Há ainda hoje muito questionamento de sua internação hospitalar, que acabou no seu passamento. Há suspeitas de ter sido assassinado por gente da Ditadura, ele era um reconhecido membro do Partido Comunista. Em 1971 Neruda ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.
O Poema completo do meu quando é assim:
“Peço Silêncio” (escrito em Agosto de 1967)
“Agora me deixem tranquilo./ Agora se acostumem sem mim.//
Eu vou cerrar os meus olhos.//
Somente quero cinco coisas,/ cinco raízes preferidas.//
Uma é o amor sem fim.//
A segunda é ver o outono./ Não posso ser sem que as folhas/ voem e voltem à terra.//
O terceiro é o grave inverno,/ a chuva que amei, a carícia/ de fogo no frio silvestre.//
Em quarto lugar o verão/redondo como uma melancia.//
A quinta coisa são teus olhos,/ Matilde minha, bem-amada,/ não quero dormir sem teus olhos,/ não quero ser sem que me olhes:/ eu mudo a primavera/ por que me segues olhando./ Amigos, isso é quanto quero./ É quase nada e quase tudo.//
Agora se querem, podem ir.//
Vivi tanto que um dia/ terão de por força me esquecer,/ apagando-me do quadro negro:/ Meu coração foi interminável.//
Porém, por que peço silêncio/ não creiam que vou morrer:/ passa comigo o contrário:/ sucede que vou viver.//
Sucede que sou e que sigo.//
Não será, pois lá bem dentro/ de mim crescerão cereais,/ primeiro os grãos que rompem/ a terra para ver a luz,/ porém, a mãe-terra é escura:/ e dentro de mim sou escuro:/ sou como um poço em cujas águas/ a noite deixa suas estrelas/ e segue sozinha pelo campo.//
Sucede que tanto vivi/ que quero viver outro tanto.//
Nunca me senti tão sonoro,/ nunca tive tantos beijos.//
Agora, como sempre, é cedo./ Voa a luz com suas abelhas.//
Me deixem só com o dia./ Peço licença para nascer.”
Neruda inicia sua sedução em mim aí pelos anos de 1960. Teve alguma influência sua em minha poesia especialmente. Como conseguir expressar num verso algo que se manifesta como uma fala em prosa? Um enorme questionamento. Como repassar mensagens em forma de pensar. Leia e sinta.