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Jornal Diário de Suzano - 17/04/2024
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Coluna

A atualidade da ‘Retórica da Intransigência’

10 junho 2020 - 23h59
Em 1991, o economista Albert Hirschman publicou o livro "A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça", traduzido e publicado pela Editora Companhia das Letras em 1992.
Neste livro, o autor relembra as três ondas de conquistas de direitos: os direitos civis no século XVIII; os direitos políticos, século XIX; e os direitos sociais, século XX. Em seguida, o autor apresenta três reações, três discursos reacionários, cada qual associado inicialmente a uma onda de conquista de direito e indicado no subtítulo da obra: a futilidade; a ameaça; a perversidade.
No discurso da futilidade afirma-se que todo esforço de mudança é desnecessário, ilusório. Que as mudanças virão na aparência mas que as estruturas "profundas" da sociedade permanecerão intactas. Então é desnecessário, fútil, fazer esforços para promover mudanças sociais e garantia de direitos. Mesmo com o discurso reacionário, os direitos civis foram conquistados.
No discurso da ameaça, por sua vez, afirma-se que "as conquistas e realizações mais antigas, obtidas com dificuldade, ainda são frágeis, ainda precisam ser consolidadas" e estão ameaçados pelos esforços, pelas lutas por outras mudanças, outras conquistas. Da mesma forma, mesmo com o discurso reacionário, a sociedade conquistou os direitos políticos sem que os direitos civis, conquistados anteriormente, fossem perturbados.
Finalmente, no discurso da perversidade, afirma-se que a "ação produzirá, através de uma série de consequências impremeditadas, o contrário exato do objetivo que se persegue". Esse discurso reacionário e conservador foi muito utilizado contra a construção do estado de bem estar social e, no caso brasileiro, ele foi muito mobilizado recentemente no processo de implementação do Programa Bolsa Família. Nesse caso, os reacionários e conservadores diziam que o referido programa incentivaria a vadiagem e a preguiça.
Embora as teses apresentadas estejam diretamente relacionadas a reações sociais conservadoras em determinados períodos históricos, elas ajudam a perceber que toda e qualquer ação política tem reações. Quando as ações são para garantir e ampliar os direitos dos excluídos, subalternos, miseráveis, pobres e até mesmo remediados a reação é conservadora e muitas vezes vem combinando argumentos da futilidade, da ameaça e da perversidade.
Atualmente, no Brasil, diante do Covid-19, qualquer ação de isolamento social para preservar a saúde principalmente dos pobres sem acesso imediato à intervenção hospitalar vem acompanhada da reação conservadora por meio de pelo menos dois dos referidos argumentos: o da futilidade e o da perversidade.
Com o argumento da futilidade diz-se que todos nós teremos contato com o vírus mais cedo ou mais tarde e deixa-se de explicitar que não se trata propriamente de contato com o vírus, mas sim de garantir as condições proteção e tratamento médico diante da doença, de evitar o congestionamento nos hospitais e de "dar tempo ao tempo" enquanto os profissionais da saúde e biólogos encontrem alguma forma de "remediar" o indivíduo acometido pelo vírus.
O argumento da perversidade, por sua vez, é aquele que insiste no rebaixamento do crescimento econômico, na perda do emprego, na fome e deixa de indicar duas questões: de que antes da economia está a vida; e de que precisamos de um mínimo social para garantir vida digna de todos seja em situação de crise seja em situação de "normalidade".
Enquanto, os conservadores colocam a economia diante da vida, nós precisamos cuidar da vida e refletir sobre um outro "normal" com menos consumo e mais tempo livre.