O músico Zeca Baleiro iniciou ontem, em São Paulo, no Citibank Hall, a turnê de lançamento de seu CD e DVD Chão de Giz - Zeca Baleiro Canta Zé Ramalho, com uma releitura pessoal da obra de Zé Ramalho, entre sucessos e lados B. No entanto, aceitar cantar o repertório de Zé Ramalho não foi tarefa assim tão fácil para ele. Em 2013, Baleiro foi convidado a participar do projeto Banco do Brasil Covers, criado e dirigido por Monique Gardenberg, já com o nome do 'poeta do apocalipse' paraibano designado a ele. Apesar de - e por - admirar a obra de Zé Ramalho, Baleiro precisou digerir melhor a proposta antes de dar seu sim. "Fiquei preocupado por ser o Zé, por causa das comparações com aquela geração dos anos 1970", conta o cantor e compositor maranhense. "Houve uma associação pejorativa, me chamaram de Zé Ramalho dos anos 1990. Tem um pouco de má-fé nisso." Baleiro atribui muito dessa comparação à temática, de relacionarem, por exemplo, sua canção Heavy Metal do Senhor, uma das faixas de seu primeiro disco, Por Onde Andará Stephen Fry? (1997), com o título do segundo disco de Zé Ramalho, A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979). "Esse tema é de domínio público, da literatura de cordel, essa briga entre Deus e o diabo", explica. Baleiro lembra que a mesma associação com os músicos nordestinos da década de 70 voltou a se esboçar com o lançamento do belo disco Raimundo Fagner & Zeca Baleiro, de 2003, que ele fez em parceria com Fagner, outro ícone dessa turma. Antes de tomar sua decisão, Baleiro decidiu mergulhar novamente na obra de Zé Ramalho. Foi ouvir os discos. Inclusive sua produção mais recente. Era um repertório que conhecia bem, mas que fazia tempo que não revisitava. Durante as audições, Baleiro foi pensando em outros arranjos para as músicas e na forma de cantar, que se distanciaria da de Zé Ramalho, "que é quase falado". "Ele tem uma personalidade vocal forte. Quando faço isso, é gracejo. Mas eu tinha de encontrar o meu próprio jeito." E, inevitavelmente, percebeu reativadas suas memórias afetivas. Lembrou-se dos primeiros discos de Zé Ramalho, que chegaram no mesmo período em que aprendia a tocar violão. E de Beira-Mar, um clássico de Ramalho, tocando sem parar nas rádios. "Eu era aprendiz ainda, essas coisas marcam muito. Senti o sentimento daqueles momentos", diz. Esse processo durou um mês. E, diante dessas pequenas intervenções muito particulares que ele poderia imprimir em uma obra tão 'sagrada', Baleiro convenceu-se de que era possível encarar o desafio. "Fiz isso até para ultrapassar essa associação sem fundamento." Com o projeto rodando o Brasil, foram realizadas cinco apresentações em 2013 e quatro em 2014. A última delas ocorreu no Teatro Castro Alves, em Salvador, onde foi feito o registro desses novos CD e DVD do músico. "A gente lamentava que aquele show fosse ficar sem registro." Agora, esse trabalho ao vivo dará fôlego para uma nova turnê de Zeca Baleiro cantando Zé Ramalho. O tour, que passou por alguns ajustes, mas, em linhas gerais, manterá estrutura semelhante ao projeto original, se estenderá até o final do ano. Baleiro levará adiante um repertório para o qual, desde o início, teve liberdade de amealhar o que acreditava ser de mais representativo dentro da extensa obra do homenageado. E estabeleceu um equilíbrio entre canções famosas e coisas pouco conhecidas do cancioneiro. "Fazer só lado B seria impopular e só sucessos, chapa-branca, burocrático." Acompanhado de banda, Baleiro parte de Ave de Prata, de A Terceira Lâmina, terceiro álbum de Ramalho, e percorre por A Dança das Borboletas (que o próprio Zé Ramalho havia resgatado e gravado com o Sepultura para a trilha do filme Lisbela e o Prisioneiro), os clássicos Chão de Giz e Táxi Lunar, o emblemático Taxi Boy (Garoto de Aluguel) - que virou também clipe, estrelado por Baleiro e incluído nos extras do DVD - entre outras, desembocando em Admirável Gado Novo e Avohai. Mesmo trazendo novas roupagens às canções, Baleiro manteve a matriz sonora delas perceptível, familiar. E acertou em se afastar da interpretação apocalíptica de Ramalho, dando nuances suaves a letras fortes com uma interpretação muito própria. "Zeca passeava com propriedade pelo repertório de Zé Ramalho, havia um domínio tranquilo na forma como ele ia desenhando o seu tributo", diz, em um texto, Monique Gardenberg, descrevendo o primeiro ensaio que assistiu. Zeca Baleiro lida tão naturalmente com essa coleção 'zéramalhiana' que fica difícil imaginar o quão difícil foi, para ele, foi abraçá-la.