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Jornal Diário de Suzano - 14/12/2025
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Coluna

Esconder-se na Poesia

03 fevereiro 2018 - 05h00
Ela um dia se foi. Uma linda pessoa que nos acompanhava. Que nos mirava, como que nos saudava em seu muito discreto olhar. Que fingíamos, por vezes, que não percebíamos esse afável olhar. Foi-se. Assim, como quem não quer mais ficar. Não somos capazes de tudo entender, ainda que tentemos. Duvidamos. Mas sabemos que nunca vamos saber por que essas pessoas tão especiais partem. E nos deixam. 
Assim. Sós.
Um amigo perdeu a sua mãezinha. Como deixar de lembrar da minha perda? Das minhas perdas? Por que nos quedamos assim, como crianças desprotegidas?
Uma partida é sempre uma partida. Vislumbrar o barco a se distanciar, como que a escorrer pelo mar que se amplia adiante, a nos impedir de alcançar com nossos braços.
Lembrei de um poema que publiquei há muitos e muitos anos num dos meus tantos livros sobre uma perda dessas. Esse poema me vinha, volta e meia, sorrateiro, como querendo me expressar aquilo que não conseguia dizer.
Chamei-o assim: “Esconder-se na Poesia”. É como sei, ou sinto, que se escondem aqueles que nos deixam. Deixam tantas saudades. Um vazio imenso e ocupado, cheio, pleno, como de um vácuo que não permite que nada o substitua. Mas ocupam esse vazio com a sua beleza. 
Com esse seu encantamento que nos deixaram nos braços. Suas imagens, suas marcas, suas lembranças, são verdadeiros versos. Ouvimos a sua musicalidade.
Com esses seus curtos versos me vem, me trazem, sempre essas lembranças de gente linda que partiu. Eles dizem assim:
“quando partiste/ meus dedos repousaram no silêncio/ escapaste na fria tristeza/ daquela manhã de sol/ algo havia estancado em teu peito/ uma vontade íntima?/ um desígnio maior?/ sei que te recolheste na Poesia/ onde escreves versos apaixonados/ onde mais?”
Como recompor esses versos seus, dos seus sinais, do jeito de você, que me deixou, de vocês que me deixaram, ou que nos deixaram?
Lembro vivamente mesmo dos seus silêncios. Mesmo daqueles prolongados, em que me interrogava se deveria ou não despertar você para o que nos sorria em volta.
As suas lembranças ficaram. Estão em mim, sei bem. As lembranças de quem amamos ficam, recolhem-se em nós. E sem querer as jateamos, as estampamos, pelos espaços que nos envolvem. E ficam lá a nos olhar. 
Dizem tanto, tanto.
Sei, sabemos todos, mas fingimos ignorar, que essas marcas nos agitam, nos fazem melhorar. Como se pudéssemos melhorar o mundo com as belas pinturas, coloridas, vivas, que você deixou, que vocês deixaram, pelos cantos por onde circulamos.
Sentimos falta. E, ao mesmo tempo, sabemos que você, que vocês estarão por perto a nos sacudir em um instante de descuido. A sua Poesia nos acolhe.