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Caderno D

Novo livro faz biografia do Brasil, de seus personagens e do seu povo

14 maio 2015 - 08h00

Há poucos dias, uma jornalista brasileira trocou a foto do seu perfil do Facebook e recebeu uma avalanche de insultos ("macaca", "escrava", "modelo de senzala") Em 1982, durante uma blitz da Polícia Militar numa favela carioca, suspeitos foram presos pelo pescoço e amarrados uns aos outros por uma corda. Eram todos negros. A cena, com variações, se repete todos os dias neste que foi o último país ocidental a abolir a escravidão - e que sempre acreditou na história oficial que diz que aqui ela foi mais amena do que em outros países, e que o encontro com o colonizador foi pacífico. As historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling mostram que não foi bem assim. Elas lançaram, na última terça-feira, com debate, o livro Brasil: Uma Biografia. Recheado de dados, fatos, interpretações, personagens e também curiosidades e anedotas, o livro acompanha a construção do País desde antes da chegada dos portugueses, que dizimaria boa parte da população local, até a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso. Algumas características de seus dois mandatos, assim como dos de Lula e Dilma, aparecem na conclusão. "Só podemos apreender os processos que se finalizaram e os atores ainda estão em cena", justifica Lilia. "Na conclusão, nos demos o direito de falar sobre grandes temas, como a corrupção, que não é endêmica, mas sim histórica e uma construção social. E também não é só nossa. Nos permitimos traçar as grandes linhas do presente, mas sem preocupação, como nos capítulos, de analisar sistematicamente", completa. Assuntos como a Comissão da Verdade também aparecem no final. A obra nasceu de uma encomenda da Penguin, que, por causa da Olimpíada de 2016, queria publicar na Inglaterra, como explica Lilia, "um livro não tão grande e que fosse, ao mesmo tempo, narrativo e interpretativo, bom de ler e não vocacionado para um uso escolar". É bom de ler, ajuda a juntar os fios da meada e, melhor, é uma importante ferramenta para compreendermos onde estamos e por que chegamos até aqui. Não ficou exatamente pequeno. São 693 páginas só de textos, fora os cadernos de imagens que completam a narrativa - a foto dos homens amarrados pelo pescoço está lá bem como o registro de um treinamento de tortura feito por soldados do Batalhão da Guarda Presidencial em Brasília, em 1972. As notas foram organizadas no fim do livro, o que torna a leitura ainda mais fluida. Também no final, há uma ampla cronologia, com os principais acontecimentos no Brasil, em Portugal e no mundo. O livro sairá, ainda, nos EUA e Portugal. Heloisa Starling explica que as autoras tentaram construir uma reflexão do Brasil por dois eixos. O primeiro é o fato de termos uma sociedade, desde o início, violenta, hierárquica e desigual. O outro é que, também desde de sua origem, ela desenha uma história de luta por autonomia, construção de direitos e liberdades. "Essa ideia de que o Brasil é essas duas coisas ao mesmo tempo é o fio condutor", diz. Outra questão de fundo é a mestiçagem, completa Lilia. "Pensar a mestiçagem não só como união, mas como separação. Ver quais são as ambivalências de um processo em que a escravidão é uma linguagem desde que o Brasil não é Brasil, porque desde os indígenas ela já está aqui. Carregamos essa linguagem que tem consequências no momento presente. Afinal, não se passa pelo fato de ter sido o último país a abolir a escravidão com leveza " Acompanhamos, assim, a história de uma nação fundada da exploração, da violência, do extermínio, do desrespeito e da ganância, mas que desde os tempos mais remotos foi às ruas para se manifestar - por interesses individuais, como nas primeiras revoltas contra os impostos e o aumento de preços, ou por questões como liberdade, justiça e democracia. Neste projeto que durou cerca de dois anos e meio, as autoras dizem que foram "atropeladas" pelo Brasil.

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