Nossos rios é uma alusão ao documentário "Entre Rios", dirigido por Caio Silva Ferraz, em 2009. O documentário trata do criminoso processo de crescimento da cidade de São Paulo sob o cadáver de seus rios, que tantos serviços prestaram para a referida cidade ao longo de 300 anos. Apesar do foco em São Paulo, o debate proposto é facilmente transposto para outros municípios.
O documentário, inicialmente, mostra a origem do nome de alguns rios de São Paulo e a sabedoria indígena por trás de tais alcunhas. O Rio Piratininga, por exemplo, é o Rio do Peixe Seco. Em épocas de cheia, o Rio Piratininga transbordava e ocupava suas várzeas. Na vazante, quantidade enorme de peixes, que ali permanecia, morria e atraia formigas, atrás das quais vinham os tamanduás. Daí o Rio Piratininga facilmente tornou-se Rio Tamanduateí. Em seguida, o documentário apresenta o processo de crescimento da cidade de São Paulo de seu centro histórico, onde estão os Rios Tamanduateí e Anhangabaú, para a região de Higienópolis e, de lá para outros bairros. Em 1878, loteadores inauguraram o primeiro sistema de Abastecimento de Água de São Paulo, denominado Companhia de Águas e Esgotos Cantareira.
O sistema de saneamento não foi suficiente para acompanhar o ritmo de crescimento da cidade, cujo excesso de esgoto era despejado nas margens dos rios. Assim, em vez da construção de alternativas sanitaristas para absorção do excesso de esgoto, a proposta mais fácil e satisfatória para os diversos atores políticos e sociais foi o aterro, o loteamento e a venda das várzeas. Subordinados a esta lógica, no início do século XX, os dois rios do centro de São Paulo foram parcialmente aterrados e suas várzeas transformadas em parques: Parque Pedro II e Parque Anhangabaú.
Em 1920, embate histórico entre dois engenheiros da Escola Politécnica de São Paulo mostra a disputa pelo destino urbanístico da cidade. De um lado, Saturnino de Brito, Presidente da Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê, propõe a recuperação da orla fluvial urbana do referido rio e a preservação da integridade de sua várzea, área superior a 500 metros e inferior a mil metros a partir de seu leito. Assim seria constituído o núcleo aquático de um cinturão de parques. Do outro lado, o engenheiro Prestes Maia, que propõe o Plano de Avenidas de São Paulo com lógica radial concêntrica.
Predomina o projeto de Prestes Maia e, a partir de 1938, o outrora engenheiro e agora prefeito, leva a cabo seu Plano de Avenidas, retifica o Rio Tietê e inaugura uma prática corrente de transformar o espaço dos rios em espaço dos carros. Assim, muitos córregos, aterrados, tornaram-se avenidas: Avenida do Estado, Avenida 23 de Maio, Avenida Nove de Julho, Avenida Pacaembu, dentre outras. Enfim, o documentário, em apenas 25 minutos, nos apresenta uma relação atroz de dominação do meio natural pelo homem; apresenta-nos uma relação política e economicamente construída entre o aterro dos rios e os meios de deslocamento na cidade; mostra-nos que, no limite, a enchente como desastre com destruição de casas e bairros inteiros, não é um fenômeno natural, mas uma invenção humana decorrente do desrespeito às várzeas dos rios; e finalmente, nos convida a refletir sobre o futuro de nossas cidades, seja São Paulo, seja Suzano, Mogi das Cruzes ou qualquer outra.