Em um filminho mudo, gravado em Santa Isabel, interior de São Paulo, Mário de Andrade aparece naquele que é o mais longo registro de sua imagem em movimento. São apenas alguns minutos, em meio a uma Festa do Divino Espírito Santo, no ano de 1933. Mas, ainda que breve, o registro oferece a chave para entender muito da postura de Mário, como artista e como intelectual. Ao notar o movimento da câmera que se aproximava para flagrá-lo, faz um gesto evasivo com as mãos e dirige o foco para o que se passa além. Não é o homem que deve ser documentado - parece dizer - mas a manifestação popular, o festejo, a cultura de seu País. Talvez, por isso, a gravação seja tão rara - só se conhece uma outra filmagem semelhante. Talvez por isso nunca ninguém - além de seus contemporâneos - tenha escutado sua voz. Ao menos, até agora. Nos arquivos da universidade de Indiana, nos EUA, foi descoberto o único registro em áudio do autor de Macunaíma. Lá, guardado havia 75 anos, estava um disco de alumínio no qual Mário surge cantando. São cinco faixas, nas quais aparece acompanhado pela escritora Raquel de Queiroz e por Mary Pedrosa (mulher de Mário Pedrosa). E não eram quaisquer canções. Tão interessante quanto a voz, é o fato de que apresentava cantigas populares que ele mesmo havia recolhido durante suas andanças pelo Nordeste. "Essas gravações revelam uma coerência e uma pertinência nesse universo do Mário de Andrade que a gente só conhecia no papel", observa Flávia Toni, professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e uma das autoras da descoberta, ao lado de Carlos Sandroni, da Universidade Federal de Pernambuco.