“Arquivo”, de e com Arkadi Zaides, o único espetáculo de dança da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo 2015, que vai até amahã, conversa muito de perto com “O Corpo Marcado pela Guerra”, texto que Rabih Mroué, ator, diretor e ativista, publicou em 1999 no jornal libanês Annahar. Refletindo sobre a relação do teatro com a guerra no seu país, comentava que era impossível evitar, na construção de personagens, as reações físicas dos atores quando ouviam disparos. "O corpo da guerra é o das contradições", diz, chamando a atenção para o fato de a guerra criar energia que era preciso saber controlar. Arkadi dança com o material produzido em vídeo por voluntários do Projeto Câmera, criado em 2007 por B’Tselem, o Centro de Informação para os Direitos Humanos nos territórios ocupados por Israel. Palestinos filmam israelenses. Vemos o que eles veem, pelas escolhas da edição de Arkadi. O corpo palestino está atrás da câmera, filmando e, ao mesmo tempo, ali, na sua frente, instaurado em cada embate produzido pelo seu jeito de mostrar o seu mundo. Nessa fricção tensa de quem olha quem, entramos nós, os que assistem ao espetáculo e aquilo que ele nos propõe. Arquivo mostra nossa posição de exterioridade, que revela uma distância impeditiva. Não compreendemos o que é dito em árabe nem em hebraico. Compreendemos o que acontece ali? Ao optar por não traduzir o que é dito, Arkadi se coloca e nos coloca no lugar no qual cada um de nós cabe. Faz isso com uma dança que busca acontecer com o corpo da guerra. Não com o corpo que vive no cenário da guerra, como o que Ohad Naharin, com quem dançou por 4 anos, burilou tão competentemente. Vem dele esse outro corpo, mais esgarçado pela urgência de impedir que a banalização da violência da guerra o pasteurize ou transforme em mercadoria publicitária. Sua dança parece se inscrever nessas misturas todas, nas quais também irrompem as outras, as danças tradicionais, urbanas, sociais e cênicas, das quais restam somente fiapos, como tudo o que a guerra devasta.