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Caderno D

Luto: Brasil perde apresentadora e cantora Inezita Barroso aos 90 anos

10 março 2015 - 08h00

A viola emudeceu. Aos 90 anos, morreu na noite do último domingo, a cantora e apresentadora de TV Inezita Barroso. Ela estava internada desde o dia 19 de fevereiro no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Inezita viu tudo. Era um livro de história viva, daqueles com notas de rodapé e trilha sonora. A última testemunha ocular a ter caminhado sobre a própria linha do tempo da música sertaneja. Soube o que queria ser bem cedo, com 7 anos. Ou antes. O fato é que, enquanto saía do ventre de sua mãe, em pleno domingo de carnaval, na casa da Rua Conselheiro Brotero, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, passava em frente o Cordão Carnavalesco Camisa Verde, futura escola de samba com o mesmo nome. As seis cordas não agradaram a mãe, que preferia ver a filha casada com um advogado ou farmacêutico, mas a música não parava de chamá-la. Quando ia passar férias em uma das fazendas da família, deixava as primas na casa grande, pulava a janela e ia ver os colonos tocando viola. No dia em que um violão caiu em suas mãos, ela atacou de Boi Amarelinho. E teve caboclo marmanjo chorando baixinho. A Dama Caipira, era uma espécie de abrigo, um refúgio de expressões culturais que eram depositárias privilegiadas da identidade do País. A ela recorriam formas em vias de desaparição, duplas e cantores e arquivos vivos que sobreviveram à blitzkrieg modernizadora de diversas décadas. Ultimamente, em sua casa em São Paulo, com seus 22 passarinhos de gaiola (atestado de sua fidelidade para com o ideário caipira), ela ainda gravava participações no programa Viola Minha Viola (o mais longevo do País), como se sua existência representasse um bunker contra a pasteurização, o nivelamento cultural. Enciclopédia viva de uma época. Opunha-se à presença de tecladistas em seu programa, além de alfinetar os conglomerados culturais. "É ridículo ver um personagem do campo falando com sotaque carioca", ela disse, há 5 anos. Era confortador vê-la ali resistindo, procuradora de uma ética desaparecida, como uma Palmirinha da música caipira, uma doutora da roça. Ainda assim, Inezita não era uma entusiasta da repetição passiva das formas tradicionais; seu rosto se iluminava quando se deparava com um artista que, ancorado nas formas arcaicas, transcendia seu invólucro e se projetava para a frente. Sua própria carreira como cantora se valeu dessa dialética transformadora: ela se destacou cantando Ronda, de Paulo Vanzolini, além de Noel Rosa e Ary Barroso. Sabia que o problema da afirmação nacional não era de fronteira, mas de autenticidade Nascida na Barra Funda, antigo bairro fabril de São Paulo, ela entretanto tinha alma de interior, tinha um destino de campo e mato. Também atriz e formada em biblioteconomia, cresceu artisticamente com a profissionalização do rádio e da TV no Brasil. E sonhava com o dia em que orquestras de moda de viola invadissem todas as cidades do País. Como cantora, experimentou o sucesso, mas sempre o preteriu à condição de divulgadora cultural, levando gerações a conhecerem as obras de Cascatinha e Inhana, As Irmãs Galvão, Pedro Bento e Zé da Estrada, Milionário e José Rico, Tonico e Tinoco, entre outros. Mas não era onívora, certas coisas ela não engolia. "Essa música moderninha de hoje, que chamam de sertaneja, não tem valor. É sempre a mesma coisa, com a mulher que abandonou o marido. Com o agravante que só a tocam no mesmo ritmo, parece um realejo", disse ao repórter Lucas Nobile. Em sua biografia, escrita por Carlos Eduardo Oliveira e publicada no ano passado, Inezita contou como se decidiu pela vida artística após assistir a um show de Carmem Miranda e revela que teve de enfrentar a resistência dos pais conservadores. Vinha da classe média alta, e sua disposição de levar a vida com cabelos curtos, violão no braço e em rodas de viola com trabalhadores rurais chocou a família. Nas fazendas de familiares, colhia os ritmos (catira, cateretê, chamamé) e as canções que gravava e celebrizava (ou simplesmente introjetava na mente para uso futuro), como Moda de Pinga. O curador Teixeira Coelho, em uma definição conceitual de cultura, afirmou o seguinte: "O melhor resumo da ideia de cultura, e que poucas políticas culturais se dispõem a aceitar, é aquela que apresenta a cultura como uma longa conversa. Uma longa conversa entre tudo o que é cultura, entre todos que movem a cultura. Uma longa e franca conversa. A melhor ideia de liberdade é essa ideia de conversa. Essa, na verdade, é a melhor ideia de liberdade". Em sua conversa de uma vida, Inezita cumpriu essa ideia à perfeição.

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