Uma mulher fascinante, de enorme poder de sedução, adorada e procurada por todos. Uma cidade pujante - mas, ao mesmo tempo, marcada pelo excesso, pelo exagero, o que bem poderia despertar em uma pessoa o desejo de fugir, de se afastar. "Thaïs bem poderia ser Lady Gaga; Alexandria, a Nova York dos anos 1970, deixada para trás em nome da busca de uma verdade interior em um retiro espiritual, quem sabe na Índia", diz o diretor Stefano Poda, que estreou na última quinta, no Teatro Municipal sua montagem de Thaïs, de Jules Massenet. Mas o comentário é seguido por um largo sorriso, o suficiente para acalmar os corações mais tradicionais. Sua produção, afinal, recusa "modernidades fáceis", como a descrita acima. Mas está longe do convencional - e, para além de Massenet, propõe uma reflexão sobre o teatro, a ópera e o mundo atual.
Os relatos sobre Thaïs remetem à Idade Média, quando surge a figura da cortesã convertida pelo monge Athanaël que, no entanto, se dá conta de que sua tentativa de salvar a moça de uma "vida de pecado" era apenas forma de esconder o seu próprio desejo, eventualmente incontrolável, por ela. No final do século 19, a história foi recriada em um romance de Anatole France, repleto de ironia sobre os vícios da religião institucionalizada. Massenet leu o livro, encantou-se pela narrativa e resolveu transformá-la em ópera. Mas o fez à sua maneira, menos preocupado com o sarcasmo de France, mais interessado na investigação do desejo - e de seu poder autodestruidor. "Thaïs é a história de um caminho interior, que nos leva do mundo da forma para o mundo da alma", diz o italiano Poda, que criou esta montagem originalmente para o Teatro Regio de Turim, em 2008, e, em 2016, volta ao Municipal de São Paulo para dirigir a Fosca, de Carlos Gomes. "A evocação da alma e do sonho, a recordação de épocas passadas, a noção de liberdade, a necessidade de soltura, descobertas, silêncios, a coragem de sentir, a ópera nos fala de tudo isso." Esses, no entanto, parecem ser apenas pontos de partida para o diretor, que não parece preocupado em uma interpretação fechada da obra. "Eu acredito na música, é ela que nos permite ir além. A música fala de tudo, sem escrever nada. A música é a liberdade, ela acredita na abertura, no poder da sensação", acredita. E, nesse sentido, ele enxerga a ópera como uma "investigação sobre os sentidos do tempo". "O grande teatro é o espaço do reencontro com si próprio, da reflexão. Nesse sentido, Thaïs é acima de tudo um espelho para o espectador. Este é um trabalho sobre o interior, sobre o inconsciente, sobre uma personagem que está escondida dentro de nós. Ele não pode ser realista. A história precisa ser aberta”, afirmou.