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Jornal Diário de Suzano - 24/04/2024
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Coluna

Os supermercados e o torrão de terra

18 março 2021 - 05h00
Os supermercados que à primeira vista parecem muito diversos em suas cores, marcas e produtos, tornam-se monótonos quando melhor observados. A diversidade de embalagens coloridas e bem produzidas esconde a monotonia dos alimentos ultra processados, muitos dos quais baseados em conservantes, pigmentação artificial, sal, gordura e açúcar. Essa monotonia miserável de nutrientes acoplada ao excesso de propaganda desses produtos explica parcialmente a obesidade como epidemia que assola o mundo de forma muito sutil.
Encontra-se muito mais diversidade em um torrão de terra que nas gôndolas dos supermercados, quem dirá em uma horta agroecológica ou em um sistema agroflorestal. Edward Wilson, entomologista estadunidense, diz que "cada metro cúbico de terra e de húmus é um mundo que pulula com centenas de milhares de criaturas, representando centenas de espécies. Junto a elas existem micróbios em quantidade e diversidade ainda maiores. Em um só grama de terra, ou seja, menos de um punhado, vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, pertencentes a até 6 mil espécies diferentes".
Ao refletir sobre a pobreza dos supermercados e a riqueza do torrão de terra, das pequenas hortas, dos espaços naturais contemplativos, lembro-me do corredor natural de 20m² mantido pelo meu avô. Era um corredor de 20x de terra preta na qual ele mantinha árvores, ervas e algumas hortaliças, geralmente verdes escuras e amargas, como almeirão e escarola. Ali havia uma ameixeira, dois limoeiros, pitangueira, cana-de-açúcar, dois pés de café, romã, picão, hortelã, erva cidreira, boldo, salsinha, cebolinha, e certamente uma série de plantas que eu mal conseguia identificar, atualmente chamadas de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC).
Um torrão de terra parece ao menos proporcionalmente mais diversos que as centenas de metros quadrados dos supermercados. E nossas mesas refletem mais a terra, a horta, ou o supermercado?
Tim Spector, epidemiologista britânico, propõe que comamos ao menos trinta diferentes plantas por semana. A verificação dessa proposta pode indicar se nossas mesas aderem mais às hortas ou aos alimentos ultra processados. Eu fiz o teste e gostei do desafio de manter os 30 itens semanais inclusos os temperos frescos.
A escassez de plantas em nossa alimentação e o excesso de produtos ultra processados podem ser reveladores. Revelam antes de mais nada que estamos engendrados em uma lógica perversa que:
1. Valoriza o trabalho excessivo e impossibilita que utilizemos o tempo para o preparo de nossos alimentos;
2. Valoriza uma cadeia agroalimentar mundial monótono (pouco diverso) e pobre em produtos saudáveis e de alto custo ambiental;
3. Valoriza o "fast food", o instantâneo, o ultra processado baseado no açúcar, sal, farinha e gordura, com altos ganhos de escala para a indústria que permitem reduzir os preços unitários;
4. Desvaloriza a biodiversidade, os circuitos curtos, as feiras, a agricultura familiar, o bem-viver.
Reafirmo, portanto, a ideia de que estamos engendrados em uma lógica perversa que não promove a saúde humana e não valoriza a biodiversidade. É preciso romper essa lógica!