sexta 26 de abril de 2024Logo Rede DS Comunicação

Assine o Jornal impresso + Digital por menos de R$ 34,90 por mês, no plano anual.

Ler JornalAssine
Jornal Diário de Suzano - 26/04/2024
Envie seu vídeo(11) 4745-6900
Coluna

Doutor Gama

23 setembro 2021 - 05h00

Eu bem sei que sou qual grilo/ De maçante e mau estilo;/ E que os homens poderosos/ Desta arenga receosos/ Hão de chamar-me — tarelo,/ Bode, negro, Mongibelo;/ Porém eu que não me abalo,/ Vou tangendo o meu badalo/ Com repique impertinente,/ Pondo a trote muita gente .
Tenho pra mim que esses são uns dos versos mais importantes da poesia nacional. Para quem não conhece, apresentei acima o trecho do poema “Bodarrada”, ou “Quem sou eu”, do advogado, abolicionista e escritor, Luíz Gama. E eu pergunto: Você já foi devidamente apresentado à essa personalidade histórica brasileira?
Luíz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador, em 21 de junho de 1830. Foi filho de um português de baixa nobreza com a escrava liberta, Luiza Mahin, que, segundo sua autobiografia, participou da revolta do Malês em 1835 e da Sabinada em 1837 e, como consequência, teve que fugir para o Rio de Janeiro, deixando o filho aos cuidados do pai. A história dela, inclusive, serve como inspiração para o romance histórico "Um defeito de cor" da escritora Ana Maria Gonçalves.
Em 1840, com 10 anos, Gama é vendido ao negociante e alferes Antônio Pereira Cardoso, no Rio de Janeiro, para pagar uma dívida de jogo. Devido a fama do baiano de insubordinado, o comerciante não conseguiu vendê-lo e o levou para sua fazenda no município de Limeira (São Paulo). Aos 17 anos conheceu o estudante Antônio Rodrigues do Prado, hóspede da fazenda de seu pai, que lhe ensinou a ler e escrever.
Cabe ressaltar aqui, por ser filho de uma escrava liberta, Gama não poderia ser escravizado, tornando sua situação na fazenda algo ilegal. É então que nosso herói foge para a cidade de São Paulo e é a partir daqui que a nossa história definitivamente começa.
Luíz Gama se alista à Força Pública da Província. Em 1850, se casa com Cláudia Gama, com quem tem um filho. No mesmo ano, o baiano tenta ingressar no curso de Direito do Largo do São Francisco, mas é recusado por ser negro, pobre e ex-escravo. Porém, mesmo com a decisão racista e sendo hostilizado pelos alunos e professores, ele assiste às aulas como ouvinte.
Ao longo da sua vida, Gama esteve presente em diversos movimentos que marcaram sua época. Inaugurou a imprensa humorística paulista, com o jornal Diabo Coxo; com Rui Barbosa, fundou o Jornal Paulistano. Em 1880, foi o líder da Mocidade Abolicionista e Republicana e passou a advogar em defesa de escravizados que não tinham condições de pagar pela alforria.
Comecei esse artigo com um poema do Dr. Luiz Gama, porque sabia que sua vida não dá para ser comprimida em alguns caracteres em um jornal. Inclusive, tem um filme sobre a vida dele nos cinemas. Mas comecei com esse poema porque Luíz Gama é um desses personagens da história do Brasil que a escola não conta do jeito certo. Sua luta contra a escravidão e seus feitos- por mim considerados heroicos- não podem ser esquecidos e sempre referenciados. E ainda mais em um contexto de tantos retrocessos, pensar figuras como a Dr. Gama devem nos impelir a dizer que a luta ainda não acabou.