sábado 27 de abril de 2024Logo Rede DS Comunicação

Assine o Jornal impresso + Digital por menos de R$ 34,90 por mês, no plano anual.

Ler JornalAssine
Jornal Diário de Suzano - 26/04/2024
Envie seu vídeo(11) 4745-6900
Coluna

Cultura, meio ambiente e a espetacularização das cidades

28 julho 2023 - 05h00

A civilização ocidental tem nos impedidos de olhar para quem realmente somos e enxergar a fundo nossa essência. A arte e a cultura têm o poder de resgatar nossa identidade, apontar caminhos e identificar o ambiente onde vivemos. O reconhecimento do patrimônio histórico e cultural de uma cidade e a preservação de dados e bens são etapas fundamentais para a formação da nossa identidade, além de reunir elementos essenciais para o necessário exercício de refletir sobre a realidade, o que ajuda a reconectar à nossa essência, desconstruir hierarquias, edificar novas legitimidades e quebrar o ambiente de pós-verdade e fake news para empoderar comunidades inteiras, sobretudo mulheres. 
Conhecer, recuperar e preservar o patrimônio cultural são os pilares para o progresso e o refinamento de uma nação e da autonomia social. São as bases para pensar o futuro, o que passa pela necessidade de se discutir o lugar e implica valorizar nossa história em conjunto com as memórias e tradições de uma cidade ou região, além de zelar pelo meio ambiente. Um "esforço difícil, mas persistente de democratizar a forma de vida", diz Raymond Williams, sociólogo e teórico da comunicação e cultura.
Falar de lugar é pautar desde a existência de um espaço físico e relacional quanto à relevância do lugar de fala e o lugar que ocupamos na sociedade hiperconectada. Diante da avalanche de informações que compromete o exercício democrático, estrutura a máquina do ódio e canaliza os vazios nas redes sociais, pautar o lugar em toda essa amplitude dimensional é a tônica para combater a espetacularização das cidades, a vulgarização do palco e a negação do direito à cultura haja visto a miserabilidade de conteúdos com o advento da cultura digital.
Pautar o lugar pressupõe dar coesão à coletividade, aos lugares abandonados, esquecidos e degradados, bem como às falas silenciadas e às mulheres violentamente oprimidas pela supremacia patriarcal. São premissas de qualquer projeto de cidade comprometido com o futuro. 
A cultura está presente em todos os lugares de forma integrada e sistêmica. Para o povo Guarani, não existe "modo de ser" sem o "lugar do ser". Para Milton Santos, o lugar é o que vai ao encontro do futuro. Logo, patrimônio cultural não pode ser reduzido a um mero conjunto de edifícios e obras de arte. O meio ambiente e nossas reservas naturais fazem parte desse patrimônio.
Quando a cultura se afasta da natureza, perde sua alma. Quando o palco deixa de ser tratado como espaço sagrado e se converte numa psicosfera vulgar e hostil uma cidade deixa de ser inclusiva, sustentável, socialmente justa, economicamente solidária e politicamente livre. Uma cultura desconectada da alma é a personificação de todas as formas de violação de direitos, opressão, desrespeito e violência que se reproduz nas mais diversas formas. Tratar mal a natureza é massacrar o feminino.
Do latim colere, cultura significa cultivo, é o que nos conduz a essa conexão com a natureza, com a paz, com o amor, com o senso de lugar. Para os povos indígenas, a natureza é o que dá sentido à vida. É o caminho da sabedoria, nossa herança ancestral e expoente de todo processo de difusão, formação, valorização, descentralização e democratização dos bens culturais.
O empobrecimento cultural e a degradação ambiental prosperam no terreno fértil do desrespeito e do desconhecimento do patrimônio histórico e cultural. Zelar o patrimônio é a base para se projetar o futuro, mas exige reconhecer e corrigir erros passados, bem como romper com o vazio de uma vida exibicionista demais. A população não pode ficar refém da vaidade de gestores que, vazios de sabedoria, conhecimento e autoconfiança, abusam do poder a ponto de afetar a dinâmica urbana, social e ambiental das cidades, comprometendo o fluxo da vida humana para alimentar a ilusão de que bens materiais vão trazer satisfação, segurança e amor, o que é contraditório ao bem viver.