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Jornal Diário de Suzano - 05/05/2024
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Coluna

As bibliotecas públicas e comunitárias humanizadoras da vida

07 setembro 2023 - 05h00

Esta semana, lendo um texto clássico do crítico literário, professor e sociólogo Antonio Cândido chamado "O direito à literatura" deparei-me com uma política pública de acesso à leitura do escritor Mário de Andrade.
Antonio Cândido apresenta, no referido texto, o direito à literatura como um dos Direitos Humanos em duas perspectivas complementares: necessidade universal que humaniza o ser humano; e instrumento que revela as restrições de direitos como a pobreza, "a miséria, a servidão, a mutilação espiritual".
A literatura, articuladora de forma e conteúdo e expressa por meio de provérbios, fábulas, contos, crônicas, romances, dentre outros, é humanizadora como "processo que confirma no ser humano os traços que reputamos essenciais como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor". Por outro lado, a literatura também cumpre papel instrumental, denunciador das desigualdades e das mazelas que assolam a humanidade.
Citando a tradição mais clássica, as poesias de Castro Alves por um lado e os romances de Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz se enquadram na literatura que ao mesmo tempo humaniza pela articulação da forma e do conteúdo que nos torna mais sensíveis diante da vida e cumpre papel instrumental como reveladora das restrições de direitos, da pobreza, da desigualdade, da miséria.
Depois de articular o direito à literatura aos Direitos Humanos, Antonio Cândido denuncia a desigualdade de acesso à literatura e afirma que "só numa sociedade igualitária os produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste domínio a situação é particularmente dramática em países como o Brasil, onde a maioria da população é analfabeta, ou quase, e vive em condições que não permitem a margem de lazer indispensável à leitura" e completa afirmando que o esforço real de "igualitarização" aumenta sensivelmente o hábito de leitura.
O exemplo de esforço para romper as barreiras, ampliar os acessos à leitura e à literatura e reduzir a desigualdades entre os cidadãos que Antonio Cândido cita é a experiência de Mário de Andrade como chefe do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo de 1935 e 1938. Diz o autor:
"Pela primeira vez entre nós viu-se uma organização da cultura com vistas ao público mais amplo possível. Além de remodelação em larga escala da Biblioteca Municipal foram criados parques infantis nas zonas populares, bibliotecas ambulantes, em furgões que estacionavam nos diversos bairros, a discoteca pública, os concertos de ampla difusão, baseados na novidade de conjuntos organizados aqui, como quarteto de cordas, trio instrumental, orquestra sinfônica, corais. E tudo isso concebido como atividade destinada a todo o povo".
Quase 100 anos depois, diante do texto de Antonio Cândido e olhando a partir de Suzano, da terra que piso e do horizonte que vislumbro, tenho a impressão que o analfabetismo foi apenas parcialmente superado, o número de livrarias na cidade diminuiu, as livrarias de rua chegaram ao patamar mais baixo possível, zero, o analfabetismo funcional grassa entre nós, os acervos de livros ampliaram-se nas escolas públicas ainda que o acesso a esses acervos continue restrito.
Assim, é fundamental, pensando na perspectiva dos Direitos Humanos, pelo menos ampliar as bibliotecas públicas e comunitárias, organizar os acervos, criar, incentivas, fortalecer e remunerar mediadores de leituras.