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Jornal Diário de Suzano - 05/05/2024
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Coluna

Cidadania no Brasil: uma homenagem a José Murilo de Carvalho

31 agosto 2023 - 05h00

Ao ler artigo de Christian Linch (FSP, 27/08) em homenagem a José Murilo de Carvalho, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, retomei seu livro mais popular - Cidadania no Brasil: o longo caminho, publicado em 2001.
José Murilo de Carvalho nasceu em Piedade do Rio Grande, em Minas Gerais, em 1939; e morreu em 13 de agosto próximo passado. Em um de seus livros, "Teatro de Sombras" ele retoma a ideia de Victor Nunes Leal sobre a tensão entre instituições modernas como o direito do voto e uma sociedade arcaica ainda baseada no trabalho precário, seja do escravo no século XIX seja do assalariado no século XX.
As tensões e contradições da sociedade brasileira estão presentes em outros de seus livros como "Os bestializados", pleno de fotos muito bem analisadas sobre a proclamação da República em que as elites militares dão um golpe e o povo vê a proclamação da República bestializado sem nada compreender. Revelam-se assim o descolamento entre elite e povo; uma República proclamada sem povo; e uma cidadania desenvolvida a partir do Estado e não da sociedade.
O livro de José Murilo de Carvalho que mais gosto é talvez o mais direto, o mais simples, o mais fácil de ler; e talvez a síntese de seu pensamento. Trata-se "Cidadania no Brasil: o longo caminho". Neste livro, Murilo de Carvalho retoma uma ideia de T.H. Marshall na qual o autor inglês mostra que a conquista da cidadania na Inglaterra passou por três ondas: as conquistas dos direitos civis no século XVIII; dos direitos políticos no século XIX; e dos direitos sociais no século XX. Ao retomar a história do Brasil, Murilo de Carvalho observa que nossa história inverte as ondas de conquistas cidadãs inglesas. Primeiro, por concessão do Estado, alguns direitos sociais; depois os direitos políticos e finalmente a observância de um déficit de direitos civis "fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a Lei" que desdobram-se nos direitos de "ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular".
Todos esses direitos civis, base das conquistas de cidadania na Inglaterra desde o século XVIII e déficit na conquista da cidadania no Brasil exigem uma "justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos".
Parece que a análise do historiador, sociólogo, cientista político José Murilo de Carvalho é absolutamente contemporânea. A leitura desse livro leve e riquíssimo de informação e análise é fortemente recomendado a todos nós que queremos participar mais ativamente da vida pública e compreender melhor nosso país, nosso estado, nosso município.
José Murilo de Carvalho nos deixa mas sua obra permanece tornando-o presente entre nós e nos desafiando a reexaminar seus escritos, a construir uma república em que povo e a elite não estejam descolados uns dos outros, e finalmente a suprir os déficits de cidadania.