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Jornal Diário de Suzano - 05/05/2024
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Coluna

O livro didático: crenças e interesses

17 agosto 2023 - 05h00

Os processos de tomada de decisão para a produção de políticas públicas são pautados nas crenças dos atores envolvidos e em seus interesses.
Neste início de mês o governo do estado de São Paulo inventou de fornecer conteúdo virtual (e também impresso na forma de apostila) para os alunos do 6º ao 9º anos da Rede Pública Estadual (anos equivalentes ao antigo "ginásio"). Não bastasse, o governo do estado de São Paulo também recusou 10 milhões de livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o secretário estadual de educação argumentou inicialmente que "os livros comprados pelo Ministério da Educação (MEC) são rasos, superficiais e pouco confiáveis" e posteriormente disse que a decisão foi tomada para "padronizar o ensino nas escolas estaduais paulistas" (FSP, 12/08/2023).
O primeiro argumento é absolutamente destituído de razão, dados os critérios técnicos da escolha dos livros didáticos no PNLD e o amplo conjunto de editoras que concorrem para ganhar os editais de venda dos referidos livros. O segundo argumento também é muito frágil, dado que a padronização pode ser feita a partir dos livros do PNLD.
Argumentando a favor do livro impresso, em franca oposição à decisão do governo do estado de São Paulo, o Professor Emérito da USP, José de Souza Martins, diz que ao se tratar de livro "fala-se na forma da sua apresentação, de sua acessibilidade e de seu uso. Tradicionalmente, a forma do livro não se separa do seu conteúdo e do modo de usá-lo". Nesta medida, embora tanto livro físico quanto livro virtual sirva para ser lido, "o livro físico implica uma demora da sua função, numa temporalidade da leitura que é completamente diversa da do livro virtual" (Valor, 11/08/2023). É interessante observar que os "rituais" para a leitura de um livro físico e de um livro virtual são completamente diferentes, sem dizer que o livro físico é objeto de afeto, tem lugar na estante, referenciais vivenciais do leitor, e em última instância, dado o trabalho editorial, capa, encarte, diagramação, torna-se, no limite, obra de arte. Além disso, para a leitura do livro físico não há necessidade de energia elétrica, equipamento eletrônico e acesso à internet, condições absolutamente necessárias e nem sempre acessíveis para a leitura do conteúdo virtual.
Além dos vários argumentos favoráveis ao livro físico, vale apresentar uma evidência. Na Suécia, país cuja internet, disponibilidade de telefones celulares e computadores são praticamente universais, o governo resolveu investir em cadernos, canetas e livros. Depois de 15 anos migrando para os conteúdos virtuais a decisão de valorizar o livro físico foi pautada em evidências de estudos realizados em vários países europeus. Segundo a Ministra da Educação daquele país, Lotta Edholm, esses estudos indicam que o leitor do texto impresso consegue compreender melhor o que foi lido em comparação com aqueles que leem o mesmo texto no computador (OESP, 13/08/2023).
As decisões do governo de São Paulo indicam categoricamente uma descrença no livro didático impresso e no livro físico como material pedagógico, mesmo contra as evidências suecas. Resta saber, para além dessa descrença, quais são os interesses que movem essa tomada de decisão.