sexta 26 de abril de 2024Logo Rede DS Comunicação

Assine o Jornal impresso + Digital por menos de R$ 34,90 por mês, no plano anual.

Ler JornalAssine
Jornal Diário de Suzano - 26/04/2024
Envie seu vídeo(11) 4745-6900
Coluna

Caro Eugénio de Andrade

12 setembro 2020 - 05h00
Estava lá eu pensando no tema da minha crônica, sem esquecer a lista que os meus leitores me oferecem. Agradecido, claro, vou por ora recordando um Poeta amigo que muito admiro. Sobre o trabalho criativo dele fiz o meu primeiro Mestrado, lá longe, na França, na Universidade de Paris - Sorbonne, ainda pelos anos de 1970. Isso mesmo, estamos falando de coisa perto de uns cinquenta anos. Refiro-me a criatividade do grande Mestre Eugénio de Andrade, na minha leitura, o maior Poeta Lírico de Portugal do século XX, já falecido. Grande sucesso de livraria.
Fui levado a esse Poeta pela, já então, amiga, Professora Thereza Rita Lopes, então Docente na Sorbonne, onde concluía seu Doutorado sobre Fernando Pessoa. Uma mulher forte, corajosa, que por muitos anos, depois, com a volta da liberdade democrática em Portugal, lecionou na Universidade de Lisboa. Há uns tantos anos voltamos a nos encontrar em São Paulo. Carinho e respeito.
Thereza Rita sabia que eu gostava de trazer a universidade estudos sobre autores de qualidade, mesmo sucesso em livraria, mas que os acadêmicos fingiam desconhecer. Levados por um raciocínio que afirmava que um autor de muitas vendas não teria qualidade. Fiz estudos, por exemplo, sobre José de Alencar, ainda na época, recusado nas universidades brasileiras, já que vendia mais que Machado de Assis. 
Eu já estava indo nos estudos de Linguística, seguindo a linha do Estruturalismo, o que dividia bem os pesquisadores europeus. Ia pela apreciação racionalista na leitura das Ciências Humanas. E tudo bateu junto quando encontrei a obra de Eugénio de Andrade. Justamente ele havia lançado um livro especial de Poesia, com o título de "Ostinato Rigore" (Obstinado Rigor), justamente o lema de Leonardo da Vinci, um enorme ídolo meu, já na época. 
O livro me impressionou, extremamente simples, singular e enormemente metafórico, como eu defendia a construção poética. Peguei o livro e digitei nos cartões de computação da época, a que tínhamos direito de usar, com hora marcada, autorizada pela Sorbonne. Acabo descobrindo coisas totalmente surpreendentes então. O livro inteiro foi escrito com cerca de 300 palavras, vocabulário de uma criança pequena. A palavra mais repetida não passa de 16 vezes, quase sempre com significações diversas. Fiz gráficos e tabelas, claro. Meu estudo chocou alguns naqueles tempos. "Poesia (Literatura) não deve ser tratada assim", ouvi muitas vezes. Foi o primeiro trabalho acadêmico de destaque feito sobre a Poesia de Eugénio de Andrade. Outros estudiosos confirmam isso. 
Vejam esse: "OS FRUTOS"
"Assim eu queria o poema:/ fremente de luz, áspero de terra,/ rumoroso de águas e de vento." 
Eis os quatro elementos, eis a Poesia sintetizada. 
Acabamos nos tornando amigos, ele sempre muito carinhoso comigo. Infelizmente só consegui uma pequena edição desse meu trabalho, no Brasil, com autorização dele para alguns dos poemas. 
Eugénio de Andrade, Enorme Poeta da Língua Portuguesa. Linda criação.