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Jornal Diário de Suzano - 27/04/2024
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Coluna

Alimentação e Fome

02 novembro 2023 - 05h00

A alimentação é mais que "encher o bucho". A alimentação envolve um conjunto de decisões: a escolha do que comer condicionada à renda e também aos costumes; a quantidade do que comer; a forma. Além disso, a produção do alimento exige adaptação, processamento, técnica, cada qual com os seus macetes.
Assisti à série documental "a História da Alimentação no Brasil" baseada no livro homônimo de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). São 13 capítulos cada qual com menos de meia hora, que segue a sequência dos capítulos do livro. Os documentaristas frequentaram feiras e restaurantes e conversaram com muita gente das diversas regiões do país. Entrevistaram cozinheiros e artistas. Revisaram documentos e livros. Apesar da valorização das influências africanas, indígenas e portuguesas que compuseram o cardápio miscigenado do Brasil, os documentaristas viajaram apenas pelo Brasil e por Portugal. O capítulo 1 trata da mandioca, tubérculo nativo, muito versátil e consumida em todas as partes do país. Lembrei-me de quando passei temporada no interior do Maranhão e aprendi a produzir farinha d´água, pubando a mandioca, secando-a no tapiti, moendo-a e torrando-a.
O capítulo 2, trata do milho e seus derivados doces e salgados. Nesse capítulo eu relacionei o plantio, produção e colheita com as festas e celebrações, refletindo em como a espécie humana e sua cultura agrícola (agricultura) estão umbilicalmente ligadas. De todas as guloseimas, eu me encantei com o cuscuz que vai me surpreender outra vez mais adiante.
O capítulo 3 é dedicado à banana, fruto asiático trazido pelos portugueses. Logo me veio à mente a música "O vendedor de Bananas" de Jorge Ben Jor interpretada por Ney Matogrosso. Na música fica evidente a variedade de bananas que se proliferou no Brasil. E por falar em variedade, não é menor a variedade de milho, com cores, tamanhos, formas de processamento diferentes e, apesar disso, para nós cada vez mais restrito ao milho amarelo.
O capítulo 4 é dedicado aos temperos. Eis aqui, do ponto de vista das imagens, o mercado Ver-o-Peso de Belém do Pará. Em seguida, um capítulo dedicado às bebidas. Outro dedicado ao coco (e ao leite de coco) de origem asiática, com passagem pela África e trazido pelos portugueses. O coco está muito presente na cultura africana. Neste capítulo há imagens de Cascudo em viagem pela África. No próximo capítulo, voltamos ao cuscuz, legado africano. A África não é um continente homogêneo. O cuscuz está relacionado aos africanos do Norte, do Saara. Em seguida, é apresentada a produção do azeite de dendê e seu uso nas moquecas e no acarajé. Eis aqui uma surpresa: o "falável", bolinho de grão de bico cultuado na África do Norte e no Oriente Médio, aqui virou acarajé, feito de feijão e frito no azeite de dendê! Segue a influência portuguesa. Seguem os doces da corte e os doces em calda.
Essa descrição apressada e indicativa da diversidade do cardápio nacional ajuda-nos a compreender a mundialização do alimento e sua adaptação aos diferentes solos e às variadas formas do viver de cada povo. Por outro lado, frente a tamanha diversidade, ajuda-nos também a refletir sobre as prateleiras insossas dos supermercados, ao fim das quitandas, e a uma espécie de monocultura que coloniza nossos cérebros, nossas mentes e nossos hábitos alimentares.
Fica a pergunta que não quer calar: diante de tamanha diversidade como é possível, segundo o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)", publicado em 12 de julho deste ano pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), termos nos Brasil 70,3 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar moderada e 21,1 milhões de pessoas com fome?