sábado 27 de abril de 2024Logo Rede DS Comunicação

Assine o Jornal impresso + Digital por menos de R$ 34,90 por mês, no plano anual.

Ler JornalAssine
Jornal Diário de Suzano - 27/04/2024
Envie seu vídeo(11) 4745-6900
Coluna

Retratos Fantasmas

26 outubro 2023 - 05h00

Essa semana fui ao cinema assistir ao filme "Retratos Fantasmas" dirigido por Kleber Mendonça Filho, reconhecido por uma série de curtas-metragens e também pelos filmes Som ao Redor (2013), Aquarius (2016) e Bacurau (2019). Aliás, pela sequência, o diretor está com um ano de atraso.
"Retratos Fantasmas" é um documentário ambientado no Recife, cidade natal do diretor, a partir da qual ele olha o mundo. Gostei da trilha sonora que começa com uma música melancólica de Tom Zé chamada "Happy End". O filme é uma miscelânea de imagens de arquivo, fotografias, registros em movimento. Melancólicas também são algumas imagens. O ritmo é lento, em contraponto ao crescimento da cidade, vertiginoso.
Em termos de enredo, o filme está organizado em duas partes: o apartamento do diretor; o centro velho do Recife.
A primeira parte é também uma homenagem à mãe do diretor, dona Joselice Jucá, historiadora, compradora do apartamento em um prédio baixo no bairro de Boa Viagem, nos anos 70. O apartamento passa por duas reformas grandes, ambas promovidas pela mãe. O apartamento, portanto, muda (estruturalmente). O prédio também muda, a rua, os vizinhos mudam (no tempo e no espaço). A mãe morre no início dos anos 90 com pouco mais de 50 anos.
O diretor retrata as mudanças do apartamento, do prédio baixo, inicialmente acessível a uma classe média baixa dos anos 70. Então, as filmagens da rua, das casas do bairro transformadas em prédios altos, arranha céus. As casas vizinhas remanescentes tornaram-se "bunkers" na linguagem crítica do próprio diretor para mostrar que moradias transformaram-se em redutos fortificados com muitas grades, travas, portões.
A segunda parte do filme é sobre o centro velho do Recife e suas salas de cinema. Construções sólidas, projetores portentosos. Aí também tem uma homenagem. Desta vez é a um dos projetistas de filmes, seu Alexandre.
Os cinemas estavam localizados na área central da cidade, onde também se concentravam as principais lojas, bancos e os poderes públicos. Pouco a pouco, tudo é transformado. Os cinemas também! Eles tornam-se "mini shoppings", mas fundamentalmente igrejas evangélicas. Eis outra vez a transformação em termos de poder. Uma antiga igreja católica, por exemplo, fora demolida, transformada em cinema em meados do século XX e, em menos de um século, o cinema foi adaptado em igreja evangélica pentecostal.
Juntando as duas partes do filme, pode-se dizer que a partir do Recife, Kleber Mendonça Filho nos propõe ao mesmo tempo uma reflexão sobre a passagem do tempo tanto em termos mais íntimos e pessoais haja vista os retratos de Joselice e Alexandre, quanto em termos mais sociais; e uma reflexão sobre a força dos agentes econômicos (financeiros e imobiliários) que transforma a cidade e na linguagem do músico, compositor, poeta Caetano Veloso, ao tratar de São Paulo, outra capital que não Recife, tem a "força da grana que ergue e destrói coisas belas".