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Jornal Diário de Suzano - 26/04/2024
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Coluna

O homem que plantava árvores

27 fevereiro 2019 - 23h59
Em 1954, a revista Vogue publicou a fábula "o homem que plantava árvores" do romancista Jean Giono (1895-1970). O texto foi encomendado pela Revista Reader´s Digest na condição de que o autor tratasse de encontros reais com a pessoa mais inesquecível de sua vida. Escrito em dois dias e entregue à revista, a veracidade do personagem Elzéard Bouffier foi posta à prova. Nenhuma pista foi encontrada e o texto foi rejeitado. Em 1954, entretanto, o texto foi publicado na Vogue. Traduzido para vários idiomas e amplamente divulgado inclusive na forma de animação adaptada, o texto chegou ao Brasil na forma de livro pela Editora 34 em 2018.
Em 1975, Aline Giono, filha de Jean, revelou que Elzéard Bouffier era personagem de ficção, provavelmente inspirado na história do seu avô, sapateiro pobre e dado a plantar árvores.
O homem que plantava árvores é, portanto, a história de Elzéard Bouffier, escrita em primeira pessoa pelo autor que "conheceu" o personagem em 1913 quando se lançou "numa longa andança por paragens completamente desconhecidas para os turistas, nessa região muito antiga em que os Alpes entram pela Provença". Depois de três dias de marcha precisou de água e nada encontrou. O máximo visto eram esqueletos de aldeias abandonadas e fontes secas de água. Após algumas horas de caminhada, encontrou Elzéard: "Fui obrigado a levantar acampamento. Cinco horas de caminhada mais tarde, ainda não havia encontrado água, e nada me dava esperança de encontrar. Era a mesma secura a perder de vista, o mesmo mato fibroso. Tive a impressão de avistar ao longe uma pequena silhueta preta". Era um pastor com cerca de trinta carneiros que lhe deu de beber em seu cantil e o levou para casa. Elzéard falava pouco, sina dos solitários, mas era seguro de si, e confiante.
À noite, após o jantar, "o pastor foi buscar um saquinho e esparramou em cima da mesa um monte de bolotas de carvalho", começou a analisá-las, separou as que considerava boas, contou-as com paz e tranquilidade de dez em dez até completar uma centena, as colocou em outro saquinho mergulhando-o em um balde d´água.
No dia seguinte, depois de andar com seu rebanho, longe de sua casa, começou a espetar a terra com seu cajado, formando pequenos buracos onde jogava as bolotas uma a uma e as recobria. Não sabia quem eram os proprietários daquela terra árida e abandonada. Fazia isso há três anos. Já havia plantado cem mil das quais vingaram 20 mil e ainda esperava perder a metade "por conta dos roedores ou de tudo aquilo que há de imprevisível na divina Providência".
Desde então, o autor visitava Elzéard todo ano. Com o passar do tempo e a permanência do plantio, a região mudara. A vida ressurgira. A floresta crescera. "Em 1935, uma verdadeira delegação administrativa veio examinar a floresta natural" e "decidiu-se que algo seria feito e, felizmente, nada foi feito, a não ser a única coisa útil: por a floresta sob a proteção do Estado e impedir que fosse reduzida a carvão". O autor tinha um amigo na burocracia do Estado entre os capitães florestais que fazia parte da delegação. A ele o autor explicou o "mistério" que dera origem àquela "floresta natural" plena de vida.
Jean Giono conclui sua fábula refletindo sobre a condição humana, considerando "que um único homem, reduzido a seus meros recursos físicos e morais, foi capaz de transformar um deserto em uma terra de Canaã" e sobre a constância, a persistência, a grandeza de alma e a generosidade desse camponês que, sem cultura, recriou a vida.
O texto me encanta em termos estéticos e me revela crenças do autor que compartilho: a capacidade de regeneração da natureza, a relevância do trabalho incansável e persistente de quem literalmente planta no deserto, a centralidade do Estado na proteção de áreas de uso comum, a desconfiança na burocracia.
A quem se interessou, boa leitura!