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Jornal Diário de Suzano - 28/04/2024
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Coluna

Nosso Canto

06 agosto 2022 - 05h00

Ontem um amigo me telefonou dizendo de sua ida para o nosso litoral. Disse-lhe, brincando, dos novos tempos, com certeza iria tomar muito frio no Verão e ressacas com chuva no Inverno. Ele riu e me disse que o maior perigo do litoral são os assaltos, mas como já estava acostumado por aqui, não veria diferença. Vamos nos habituando até a violência? Ele morava numa ótima casa, conseguiu trocar por um bom apartamento, podia receber os filhos. E me provocou, se eu estava aposentado, era livre, podia me mudar para onde quisesse.
De fato, com a pandemia muito mudou. Idosos em especial, mais frágeis, vulneráveis, ficaram isolados, sedentários, mais distantes dos prazeres coletivos. Enfim... Se ficou possível trabalhar à distância, por que não ficar no litoral, com praia, ou na montanha, onde se sinta melhor? Tenho amigos que vivem hoje nesses dois cantos. Como tenho os que preferiram mesmo escolher o jeito rural, viver em chácara, em fazenda, com agricultura. Nenhum deles reclama da falta de algo. Que continuem assim.
Minha experiência de vida permite saber um tanto desse diferencial. Já morei em fazenda, em cidade, em chácara, em casa, em apartamento, no litoral e na montanha. Claro que sei da necessidade de nos adaptarmos a certos locais. Mas sei também que uns tantos sonhos dessa gente que “se muda” é que os leva a tanto. Criamos tantas esperanças ao olharmos adiante. Não tenho nem como nem porquê me arrepender de ter vivido em tantos cantos pelo mundo. Conheço gente, filhos de bancários que também como eu, filho de militar, circularam pelo mundo. Não escolhemos. Era o que a Vida oferecia. Aprendi muito, mas há coisa de uns cinquenta anos fui me estabelecendo. E é bom. Sigo adiante. Certa vez fui levado a refletir sobre essas coisas de “se mudar”. E acabei lembrando de uns versos do Mestre Poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele, mineiro, passou a viver no Rio de Janeiro, sentido solidão entre dois milhões de habitantes, mas com a marca da sua Vila no peito: 
“Tive ouro, tive gado, tive fazendas./ Hoje sou funcionário público./ Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!”
Foi o que me levou a escrever o poema “Fotografia”, que dediquei “Ao Povo Mirambava”:
“nunca tive uma daquelas fotografias/ como o Drummond/ nunca tive uma Itabira/ mas quanta falta me fazia/ e a mim como ao Poeta/ também como doía//
um dia/ encontrei a vila/ e a ela me dediquei/ não me deu ela ouro/ tampouco
me deu gado/ nenhuma fazenda me deu/ deu-me um jeito de olhar o mundo/ deu-me aquela terna saudade/ cada vez que dela saia/ deu-me um olhar
orgulhoso/ de saber de onde eu vinha//
a cidadezinha cresceu/ cresceu mais dentro de mim/ vesti-me de funcionário/ criei parentes/ criei amigos/ criei meus filhos/ criei irmãos//
que bom será/ se não tiver mais que partir/ só de pensar/ dá uma dor besta no peito/ e um embaraço na vista/ que chega assim/ de repente”
Cada um tem o seu jeito. Você aguenta se mudar? Mudar a si?